Em 19/08/2017 às 20h00 | Atualizado em 27/07/2018 às 17h22

Joaquim & Ronaldo lançam livros: a longa amizade dos dois poetas

Os dois poetas cataguasenses vão lançar livros juntos, no dia 9 de setembro, às 19 horas

Os dois poetas cataguasenses vão lançar livros juntos, no dia 9 de setembro, às 19 horas

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Joaquim Branco ("Refugiados") e Ronaldo Werneck ("Sob o signo do imprevisto") lançam livros juntos no próximo dia 09 de setembro, a partir de 19 horas, na Chácara Dona Catarina, em Cataguases. Não é lá muita novidade esse lançamento em conjunto, dada a longa amizade entre os dois poetas. Longa e proveitosa: como veremos mais adiante, acabou que um escreveu sobre o livro do outro e o outro também escreveu sobre o livro do outro. Tudo dentro da mais perfeita mineiridade. 

Vem do longe de suas mocidades a ligação entre os poetas cataguasenses Joaquim Branco e Ronaldo Werneck, uma amizade que já dura pra lá de meio século. Eles pintaram (perdão, escreveram) e bordaram (perdão, desenharam gráfica e visualmente seus poemas) desde o início dos anos 1960, editando suplementos literários e jornais "de vanguarda", como se dizia à época, com repercussão até mesmo internacional. O Muro, de 1962; SLD, de meados dos 60; Totem e Tabu, anos 70/80.

Participaram também dos vários movimentos poéticos que foram surgindo – concretismo, práxis, poema processo, poema postal – e seus poemas visuais foram publicados no Brasil e lá fora. Criaram ainda peças de teatro e dois festivais de música & audiovisual (1969-1970) que deram o que falar em todo o país.  E a atividade conjunta dos dois não para: nos últimos anos continuaram a editar alguns suplementos literários esparsos e recentemente realizaram uma grande exposição em homenagem aos 90 Anos da Revista Verde, editada em Cataguases na década de 1920.

Encontram-se a seguir os dois textos de Joaquim e Ronaldo, cada qual falando sobre o livro do outro, o que de certa forma atesta o que Rosário Fusco chamou de "igrejinha cataguasense" em carta de 02 de junho de 1976 endereçada a Ronaldo Werneck: "Você me cita no prefácio do livro do Quincas (Joaquim Branco) e o Cabral (Francisco Marcelo) me cita no prefácio de seu livro. Isso dá a impressão de que existe uma igrejinha cataguasense, mais nordestina do que mineira – o que não é bom. Creio que seu amigo Ezra Pound, na conjuntura, lhe proporia a seguinte charada inconsequente que psicografo por estranha força do astral: eu te cito/ você me cita/ na área do consumito/ você apita/ se eu apito/ no mesmo apito/ nada comum/ pois que o dito/ só clama aflito/ o pobre mito/ de cada um'. Abraços do Rosário". 


O POETA, ESSE REFUGIADO
Ronaldo Werneck

"De frio e fome/ cobertos apenas pela chuva/ eles morrem às dezenas,/ vindos do país do nada/ para o nada caminhando" – escreve Joaquim Branco na abertura de seu poema "Refugiados", que dá título a esse novo e belo livro do poeta cataguasense. Não foi à toa que Platão expulsou os poetas da República, deixou-os fora do Banquete. Quando conscientes, poetas são perigosos. Poetas apontam o caos do cotidiano. Poetas são refugiados do sistema. Poetas são refugiados até mesmo da literatura. 

E refugiados podem um dia insurgir, recusar, rebelar-se contra as injustiças: "Caminham em paralelas/ para o infinito ou para a morte/ sobre os trilhos que os libertem/ da difícil batalha contra a sorte". Exatamente como fazem os poetas da recusa, antenados com o mundo à sua volta. Não só com poemas participantes, de protesto, como com aqueles outros, os poemas visionários, antecipadores, que vão de encontro à arte tradicional. Nada mais são que também refugiados esses poetas que fabricam seus poemas de recusa.
 
"Braço que acusa o acaso", escreveu Augusto de Campos em sua elegia para o poeta Mário Faustino, o ´aeromorto´. O mesmo Augusto que nos diz em seu livro "Poesia da Recusa" (Ed. Perspectiva, 2006): "Em defesa de Mallarmé, afirmou Valéry, certa vez, que o trabalho severo, em literatura, se manifesta e se opera por meio de recusas. A melhor poesia que se praticou em nosso tempo passou por esse crivo. Da recusa estética (Mallarmé) à recusa ética (Tzvietáieva), se é que ambas não estão confundidas numa só, essa poesia, baluarte contra o fácil". 

E Augusto se estende em seu rol de recusas: "A maioria das pessoas quer o consolo do entretenimento, arte fácil e descartável para descansar a cabeça, ‘esquecer da vida’, e não para problematizar-se. O que quer, afinal, Mallarmé, com tantos enigmas? Conhecer-se. Romper os limites da linguagem para compreender e exprimir melhor as angústias humanas diante do enigma supremo da vida e da morte. Revitalizar a própria linguagem, dando-lhe um sentido mais puro".

Exatamente o que quis e quer Joaquim Branco em seus longos anos de ofício literário. Nós nos conhecemos – melhor, nos aproximamos e começamos a trocar ideias e dar início à fabricação de nossos projetos literários – lá nos longes de uma Cataguases dos anos 1960. Uma amizade que se solidifica a cada minuto, que é também (evoé, Cassiano Ricardo!) "um século XX", já devidamente extrapolada para este século XXI. 

E conhecer o homem, o amigo Joaquim Branco, é conhecer um ser em toda a sua dignidade, um intelectual íntegro, é saber das "recusas" representadas por seus trabalhos – da qualidade, da coerência de sua obra que se perpetua em sua já longa trajetória. É saber de suas incursões pelos vários movimentos que foram surgindo – concretismo, práxis, poema processo, poema postal, poema visual – que demonstraram o poeta atento ao seu tempo. 

E essa "curiosidade" – impressa na produção de poemas que remetem a esses movimentos, como os que se encontram em seu novo livro, com suas artesanias & artimanhas de expressiva visualidade – me faz lembrar as investidas do citado Cassiano: exatamente como o Joaquim de hoje, um poeta já de "longo curso", que também participou ativamente dos movimentos da poesia concreta e da poesia práxis, antes de criar os seus linossignos.

"Refugiados" revela novíssimos poemas, grande parte escritos em 2017, e traz uma bela capa idealizada pela filha do poeta, Natália Tinoco – que imprimiu ótimo tratamento na foto dos refugiados, alguma coisa meio "flou", impressionante, como se suas almas pairassem sobre eles. O livro demonstra mais uma vez a vitalidade de Joaquim Branco – a quase magia de perpassar pelos vários momentos atravessados pela vanguarda nas últimas décadas sem perder a autenticidade, sem se deixar levar por aqueles falsos criadores de meras cópias, de simples pastiches. 

Esses poemas, como sempre tonificados por instigantes pedras-de-toque, têm sua marca, sua assinatura, essa dicção própria e sempre inovadora que há muito tempo me fascina.  Às vezes seus versos brancos e livres podem nos lembrar alguma coisa dos primórdios do modernismo, mas logo percebemos terem a chancela inconfundível dos versos "branco Joaquim", articulados por harmônicos enjambements.

Em 1939, ao perder seu grande amigo, o poeta inglês W.H. Auden escreveu Funeral Blues, uma das mais belas elegias de todos os tempos, que ficou mais conhecida pelo filme "Quatro Casamentos e um Funeral". Na ótima tradução de Nelson Ascher, transcrevo os dois derradeiros quartetos, e logo digo o porquê: "Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto/ viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,/ meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;/ quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.// É hora de apagar estrelas — são molestas —/ guardar a lua, desmontar o sol brilhante,/ de despejar o mar, jogar fora as florestas,/ pois nada mais há de dar certo doravante".

E agora sim, o porquê da citação de Funeral Blues: em 2014, Joaquim Branco perde sua esposa e logo escreve uma também pungente elegia, "Folhas Caídas", que se encontra nesse livro "Refugiados". Ele parte da canção popular "Se essa rua fosse minha", mas inverte o sentido satírico, parodístico, produzindo versos de extrema delicadeza, de intensa comoção. Um poema pautado pela perda, mas que não acena para "apagar estrelas" como o de Auden – antes sinaliza para o súbito acender de uma nova estrela, pelo ascender da amada que partiu. Termino com esse tocante poema de Joaquim Branco para Sonia Regina, comovido como da primeira vez que o li:


FOLHAS CAÍDAS

Na via-crucis desta rua
mora um anjo que se chama Sonidão.
Se eu pudesse eu mandava ladrilhar
seus passos para que ficassem
na terra que os viu passar.

Na via-láctea do sonho, uma estrela
no céu da tarde se fez
além de Órion
e vai brilhar pela primeira vez
no voo orbital do Sol.

Na via-férrea deste outono
– entre folhas caídas –
uma entre mil outras renasce,
como se o céu se abrisse
para não deixá-la cair
(injustamente)
para sempre
na impossibilidade
do não-ser.

 "Refugiados", de Joaquim Branco.
Editora do Autor, Cataguases 2017
RS 25,00


"UM ROSÁRIO VALE TRÊS TERÇOS"
Joaquim Branco

Ronaldo Werneck me pede para prefaciar o seu novo livro sobre Rosário Fusco. Difícil tarefa, porém tentadora. Impossível deixar de atender. Trata-se de dois grandes amigos (um, já falecido) e em relação aos amigos geralmente não se tem uma dimensão por assim dizer justa de avaliação. 

Por outro lado, nesse caso a empreitada torna-se até fácil. Vejam por quê.
Não contando, anteriormente, meu conhecimento de sua obra, convivi com  Rosário Fusco por cerca de 10 anos em Cataguases, na sua casa da Granjaria, bairro onde hoje moro. 

Com Ronaldo, desde a infância, tive longa convivência, quando jogamos botão, bafo-bafo, bola, sinuca e, mais tarde, frequentamos escolas, criamos  suplementos, antologias, festivais – quase tudo que se pode (e não se pode) esperar de jovens amigos.

Com Fusco, aprendi o que a universidade não pode dar: o savoir faire literário, o que é um verdadeiro romancista, a coragem, o medo e o desafio da  escritura: "com quantos paus de faz uma canoa estética e existencial" (como ele dizia). De vez em quando, sempre pela manhã, bem cedo, me chamava a sua casa. "Abunde-se" – dizia ele.
 
Eu me sentava e ouvia/via sua atuação teatral, abusiva, descentrada e centrada, quando à minha frente desfilava um mundo de literatura, filosofia, arte, ciência e tudo que saía de seu talento fulgurante. Outras vezes, parecia nostálgico, misterioso, com seu robe preto, a me receber de cabeça baixa, dostoievisquiano, monossilábico. Queria me confessar algo...  
 
Dividi muitas experiências com Ronaldo, vivemos os trepidantes anos 60 da contracultura e das vanguardas, os sonhos dos 20 anos, namoros e festas e farras etc. Daí mais do que justo que eu prefacie este seu livro feito de vivências do homem e escritor Rosário Fusco, pois é impossível separar os dois.

O leitor que se prepare. Aqui conhecerá a (a)ventura imperdível de um romancista que excede o romance e extrapola todos os limites da criação literária – e por que não dizer? – humana? Além de farta documentação de uma história de vida, ilustrações com fotos, pedaços de poemas, de bilhetes, suas boutades, opiniões sobre outros artistas, onde tudo excede e quase nada se explica.

O livro registra muito do que Ronaldo presenciou, leu e aprendeu – de detalhes pessoais a confissões "inconfessáveis", de reuniões noite a dentro a tiradas criativas sobre a natureza dos homens e a especificidade das mulheres.
 
Portanto, este trabalho de Ronaldo Werneck, que pode ser o pórtico para uma futura biografia do autor (fica a sugestão) vai direto à curiosidade do leitor, que certamente gostará de conhecer algo mais sobre esse "vulcão das gerais" e que, em tom de brincadeira, disse certa vez para nós: "Um Rosário vale três terços".

"Sob o signo do imprevisto", de Ronaldo Werneck.
Poemação Produções, Cataguases, 2017 – R$ 25,00
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Autor: Joaquim Branco e Ronaldo Werneck

Tags: livro, poeta, autógrafo, escritor





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