Em 04/03/2013 às 08h35 | Atualizado em 27/07/2018 às 17h22

Mãos que fazem uma preciosidade mineira

Lei 20.549 contribui para a preservação da técnica

Lei 20.549 contribui para a preservação da técnica

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Alguns metros adiante dos estábulos da fazenda do presidente da Associação dos Produtores de Queijo Canastra (Aprocan), João Carlos Leite, seguindo a tubulação que leva o leite ainda quente após a ordenha, é possível conhecer onde o legítimo queijo canastra toma forma em meio às serras de São Roque de Minas. E a mágica acontece pelas mãos calejadas de José Filho de Faria, 43 anos, e de sua esposa, Romilda Aparecida da Silva Faria, 37.

A primeira parada é um tanque de metal onde o leite é talhado com a ajuda do coalho, único produto industrializado que entra no processo, feito após o processamento da pepsina, uma enzima digestiva encontrada no estômago do boi ou do porco. É nesse ponto também que entra o pingo, fermento lácteo natural extraído ainda no primeiro dia do processo de fabricação, que garante a conformidade do queijo.

 

Em apenas 90 minutos, o leite engrossa no tanque e decanta o soro, que é retirado para a alimentação dos porcos. Conforme estabelece a Lei 20.549, aprovada em 2012 pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, ele chega à pocilga, distante quase 100 metros, por um canalização separada. O que sobra é uma massa branca, sem gosto, que ganha ainda mais consistência pelas mãos de José e Romilda, em um ritual de dessoramento manual, como artesãos, até ser possível colocá-la nas formas.

 

“Para fazer um bom queijo é preciso ter paciência, é preciso gostar. A gente leva 40 minutos espremendo a massa, sem pressa, até moldar o queijo, mas vale a pena. Até sinto falta quando passo um dia sem fazer queijo”, diz Romilda. “Aprendi a fazer queijo com o meu marido. Quando nos casamos, não tinha a menor noção. Ia na fazenda onde ele trabalhava e ajudava a tirar o leite. Aí comecei a aprender. Fazia um, dois queijos e peguei gosto. Não parei mais”, completa, logo após dar forma a mais um queijo.

 

Ao descansar na bancada, ainda na forma, e ser salgado de um lado e do outro, em um ciclo de 12 horas, o queijo secreta o pingo. E como o próprio nome diz, o pingo goteja pela bancada para um recipiente, sendo que cada 100 litros de leite utilizados rendem apenas 100 ml de pingo, uma preciosidade guardada a sete chaves pelo produtor. E com razão. Graças à flora microbiana ali presente, o pingo funciona como um DNA do produto. “É com o pingo que o queijo canastra adquire a personalidade da nossa queijaria”, aponta João Carlos.

 

Diante das dúvidas persistentes, sem levantar os olhos das mãos que dão acabamento final, ou “toalete”, a um novo queijo desenformado prestes a nascer, Romilda tenta simplificar: “O coalho talha o leite, e o pingo dá a firmeza na massa”.

 

'Maternidade' de queijos – E a palavra nascimento é adequada ao se falar em queijo. O ambiente da queijaria é asséptico, como uma maternidade, e a satisfação de Romilda e do marido fica estampada no rosto ao revelar o ponto de maturação de cada um dos seus “filhos” repousando em uma bancada nas proximidades.

 

Embora os mais novos sejam os mais vendidos, a prateleira mais alta esconde dois ou três queijos que já passaram de um ano de maturação, ideais para serem degustados com um bom vinho ou a tradicional aguardente mineira. “As pessoas me procuram para aprender a fazer queijo bem feito. Eu ensino com gosto. Quando a pessoa elogia nosso queijo, dá os parabéns, é bom demais, né?!”, conta Romilda.

Bem menos falante do que a companheira, a José cabe a responsabilidade de fazer o Canastra Real, top de linha da queijaria. Diante de tantas perguntas, ele só observa a movimentação incomum até arrematar, com a sabedoria peculiar de quem fez o primeiro queijo aos 12 anos: “Desde menino o que eu sei fazer é isso. As pessoas vem aqui pra ver porque não têm noção de como é feito o queijo. Elas ficam espantadas e eu sinto orgulho”.

 

Uma fazenda e muitas ideias na cabeça

 

Do sonho à realidade da maioria das queijarias no Estado, chegamos à propriedade do veterinário Guilherme Ferreira, a Fazenda Estância Capim Canastra, no km 3 da Estrada São Roque de Minas/Bambuí. Ao lado do pai, José Eudes Ferreira, 58 anos, que deixou a terra natal e foi para a “cidade grande” aos 18 anos para “melhorar de vida”, Guilherme resgata as origens de sua família e, há um ano, começou a produzir queijos canastra.

 

O produtor reconhece que tem ainda um longo caminho a percorrer para conseguir se adequar aos padrões da Lei 20.549. E para não perder tempo, mesmo ainda na fase de discussão para a elaboração da nova lei, ele se antecipou e começou a obra de uma nova queijaria, tudo bem dividido, com sala de produção e sala de maturação.

 

Além de um galpão, ele também está renovando o curral e o espaço para a ordenha – o investimento já chega a R$ 120 mil – e, com a cabeça fervilhando de ideias, não vê a hora de ver o seu produto valorizado. Pelo queijo canastra de 1 kg, o queijeiro, negociante de queijos que passa duas vezes por semana na propriedade, paga a ele só R$ 7,50.

 

Diante desse preço, nada mais natural que o queijo seja ainda mero coadjuvante na Capim Canastra, que se mantém graças ao café e ao milho. Uma varanda nos fundos da sede da fazenda foi transformada em queijaria e de lá saem diariamente de 17 a 20 unidades de 1 kg, produzidas com o leite ordenhado de 35 vacas.

 

O primeiro obstáculo nesta evolução Guilherme considera que já superou, a resistência do pai ao idealismo do filho. A desconfiança dos vizinhos, também produtores de queijo, ele tira de letra. “Já disseram que esse moleque está louco, vai quebrar o pai dele. Mas eu entendo. Minha família tem outro negócio e não depende disso. Eu estudei e voltei para São Roque de Minas com mais informação e, sobretudo, com outra cabeça. Mas ainda não dá para pensar em uma propriedade se mantendo somente com a produção de queijo”, conta.

 

A mente de Guilherme voa longe e as dúvidas duram pouco: “A transferência de embriões é o futuro. Quem sabe não vamos desenvolver um gado especialmente para a produção de queijo?”

 

Lembranças da infância – Como bom pai, José Eudes ouve a tudo calado e diz estar ao lado do filho para o que der e vier, ainda mais de volta à terra onde nasceu. “O queijo é uma boa lembrança da minha juventude. Meus avós, meus pais faziam queijo. Uma das minhas primeiras lembranças é participar de uma entrega de queijo, levado no lombo dos cavalos, quando tinha cinco anos”, lembra.

 

Técnico químico e dono de uma empresa de galvanoplastia em Limeira, no interior de São Paulo, José Eudes deixou a mulher e os outros três filhos cuidando dos negócios para apoiar o sonho de Guilherme. “Eu estou dando um empurrão, mas a partir do meio do ano ele vai caminhar com as próprias pernas, pois vou retomar minha vida”, lembra. Mas, na visão do empresário José Eudes, não o fazendeiro, Guilherme não está jogando o dinheiro fora.

 

“Só quem viaja vê o valor que é dado a um bom queijo em outros lugares. As coisas mudaram muito desde que saí daqui, com duas mudas de roupa na mala, para trabalhar e estudar. São Roque de Minas cresceu, a região toda se desenvolveu e com o nosso queijo não vai ser diferente. O meu tempo já passou, o do meu filho está apenas começando”, diz.

 


 

Fonte e Imagens: Assembleia de Minas

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